Hoje no jornal de negócios vem um artigo de quem muito gosto de ouvir como já aconteceu , há um artigo a ler , os bancos centrais são o pai e a mãe da inflação é das bolhas .
“DANIEL GROS
Bancos centrais: verdadeiros culpados pela inflação
· Jornal de Negócios
· 14 Aug 2023
· PROJECT SYNDICATE © Project Syndicate, 2023
http://www.project-syndicate.org DANIEL GROS Diretor do Institute for European Policy-making na Universidade de Bocconi.
Os banqueiros centrais das economias desenvolvidas parecem ter merecido as férias de verão. Com uma série de fortes subidas de juros, parecem ter abatido uma onda de inflação que, segundo a sabedoria popular, foi causada por uma combinação sem precedentes de choques negativos. Mas antes de elogiarmos os banqueiros centrais por dominarem a inflação, devemos considerar o papel que tiveram a causá-la.
O fator mais comummente apontado para o recente aumento da inflação prende-se com os elevados preços da energia, que dispararam após a invasão em grande escala da Ucrânia pela Rússia, devido aos receios de que as sanções ocidentais viessem a impedir que os hidrocarbonetos russos chegassem aos mercados. Mas, no início de 2023, os preços do petróleo tinham regressado a níveis anteriores à invasão.
Mais importante é que o pico de 2022 não foi excecional. O valor do petróleo aumentou em velocidades comparáveis e atingiu anteriormente picos semelhantes, incluindo em 2008 e 2011-12. Mas nenhum desses episódios trouxe um disparo tão notável no nível de preços. Mesmo na Europa, onde o aumento da cotação do gás natural após a invasão foi sem precedentes, os preços da energia voltaram a níveis pré-guerra bem antes da inflação começar a cair.
Nenhum banqueiro central reconheceu ainda que exista a dúvida, bem fundamentada, de que o choque de preços da energia no ano passado tenha causado o aumento dos preços não energéticos. O que os banqueiros centrais fizeram foi apontar para um segundo culpado: interrupções nas cadeias de abastecimento.
Mas também aqui o choque em questão foi temporário. O indicador compósito da Reserva Federal de Nova Iorque relativo a pressões globais sobre as cadeias de abastecimento mostra que houve um aumento sem precedentes em 2022; mas no início de 2023, o índice estava de volta a território normal. Hoje, está em território negativo, indicando que as cadeias de abastecimento estão a funcionar de forma particularmente tranquila.
A maioria dos modelos macroeconómicos – já para não falar do senso comum – indica que um choque temporário da oferta deve causar um aumento igualmente temporário no nível de preços. Isso significa que, se a inflação recente tivesse sido causada pelos dois choques de oferta de 2022, esta teria inicialmente subido acima da meta canónica de 2%, depois caído abaixo deste nível à medida que os choques diminuíam. Não é o caso nos Estados Unidos ou na Zona Euro: retirando o impacto da queda dos preços da energia, a inflação continua em torno de 4-5%.
Pode, é claro, argumentar-se que as assimetrias podem fazer com que os preços gerais se comportem de maneira diferente quando os preços da energia sobem ou descem. Mas não é claro quais seriam as assimetrias relevantes para este episódio em particular. Os trabalhadores aceitaram uma redução nos salários reais, apesar dos mercados de trabalho aquecidos. E embora possa haver a necessidade de alguns preços caírem quando os preços da energia diminuem, não há nenhum sinal de que a rigidez descendente dos preços nominais ou dos salários desempenhe atualmente algum papel.
Então, por que é que a inflação persistiu? Uma razão provável é que estejamos a assistir a efeitos retardados de anteriores políticas monetárias. Em 2020 e 2021, quando a economia global estava a ser devastada pela pandemia, os bancos centrais começaram a comprar grandes quantidades de ativos. Durante os primeiros meses de 2020, a política serviu um propósito claro: estabilizar os mercados financeiros. Mas mesmo depois de esse objetivo ter sido alcançado, os bancos centrais continuaram a comprar ativos.
Por essa altura, os banqueiros centrais foram motivados pelo medo da deflação. Mas, embora a inflação tenha caído em 2020-21, isso deveu-se principalmente a uma queda de curto prazo nos preços da
Antes de elogiarmos os banqueiros centrais por dominarem a inflação, devemos considerar o papel que tiveram a causá-la.
As compras pandémicas de ativos pelos bancos centrais teriam começado a afetar a inflação até o final de 2021, com os efeitos mais poderosos a ocorrerem em 2022-23.
energia. Simplificando, a decisão dos decisores políticos de continuarem as enormes compras de ativos foi uma reação exagerada a um choque temporário.
Ninguém deveria ficar surpreendido por estas políticas terem consequências inflacionistas ou por terem demorado a materializar-se. Como explicou Milton Friedman, a política monetária afeta a economia com “desfasamentos longos e variáveis”. Assumindo um atraso de 12 a 24 meses, as compras pandémicas de ativos pelos bancos centrais teriam começado a afetar a inflação até o final de 2021, com os efeitos mais poderosos a ocorrerem em 2022-23 – uma altura de notável aperto no mercado de trabalho. O estado do mercado de trabalho explicaria por que é que a política monetária pandémica fez mais para alimentar a inflação subjacente do que a anterior onda de política monetária não convencional, em 2015-18.
É difícil saber exatamente quanta culpa pela inflação atual pode ser atribuída às compras pandémicas de ativos. Mas, com base na própria avaliação do Banco Central Europeu às suas políticas de 2015-18, pode-se concluir que as aquisições contribuíram com alguns pontos percentuais. Portanto, se a Reserva Federal dos EUA e o BCE tivessem posto fim às suas compras de ativos assim que os mercados financeiros estivessem estabilizados no início de 2020, a inflação subjacente poderia estar hoje em torno de 3%, em vez de 5%.
Certamente que os grandes pacotes de apoios orçamentais aprovados durante a pandemia provavelmente também contribuíram para a inflação, especialmente nos EUA. Mas isso não isenta os decisores de política monetária. Pelo contrário, embora os banqueiros centrais americanos e europeus possam preferir concentrar-se nos seus progressos em conter a inflação, não adianta fingir que não desempenharam um papel significativo na criação do problema.